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Ouça um bom conselho

Uma das formas mais comuns e contraditórias de se buscar transmitir experiência e proferir conselhos conclusivos a partir de uma vivência presumidamente autorizada e consistente é aquela expressa nas máximas e aforismos. Todos, desde pequenos, ouvimos dos mais idosos do que nós, independentemente da faixa etária, muitos provérbios e sentenças presentes nas fábulas, nos livros religiosos ou, até nos parachoques de caminhões. Passamos a vida em contato com ditados e definições que carregam um conceito moral ou de conduta e cuja finalidade central, ao serem expressos, é ensinar ou advertir, seja pela sabedoria acumulada ou, especialmente, pela carga de repreensão e impacto contidos.

Há uma forte suposição por trás do ensinamento ou admoestação apoiados nas máximas: a eficácia da transmissão de uma experiência alheia já testada, degustada e corroborada, estando, assim próxima do indiscutível; caberia ao presenteado com o conselho proverbial apenas aquiescer e seguir obsequiosamente, louvando a sabedoria milenar à qual foi apresentado e salvo de ter de dolorosamente provar por si mesmo.

Para evitar um dogmatismo que, muitas vezes, cumpre uma função doutrinadora e indutora de fragilidade mental, é preciso ir colocando incômodos pontos de interrogação ao final de muitas das máximas. De fato, quem espera sempre alcança? A pressa é inimiga da perfeição? A vingança tarda, mas não falha? Cada um sabe onde aperta o sapato? Deus ajuda a quem cedo madruga? O silêncio é de ouro? Quem não deve não teme? Vaso ruim nunca quebra? Cão que ladra não morde? Tal pai, tal filho? Quem viver verá? O hábito faz o monge? Quem parte e reparte fica com a melhor parte? Perdido por um, perdido por cem? Duvidemos um pouco…

Impossível transferir experiências! Daí, inclusive, a fraqueza contida nas boas intenções das frases que se iniciam com um “eu, se fosse você…”, ou “olha, no seu lugar eu faria…” ou, ainda, “se eu estivesse na sua situação…” É por isso que o dramaturgo espanhol Jacinto Benavente – não por acaso um especial usuário das idéias de Freud no teatro e na literatura da Espanha das décadas iniciais do século 20 – foi tão enfático ao dizer que “ninguém aprende a viver pela experiência alheia; a vida seria ainda mais triste se, ao começarmos a viver, já soubéssemos que viveríamos apenas para renovar a dor dos que viveram antes”.

Ademais, o mundo dos provérbios na literatura foi majoritariamente um domínio masculino, na convicção de que tais verdades são fruto de uma reflexão e vivência sobre as quais as mulheres teriam um alcance limitado. Se “lugar de mulher é na cozinha” e “cada macaco no seu galho”, a produção de máximas ou sentenças foi quase sempre privilégio de escritores ou políticos. Raríssimas foram as mulheres que se arvoraram a adentrar em um terreno que se supôs fora das fronteiras da vacuidade ou indigência cruelmente atribuídas à mente feminina.

Uma das raras audaciosas a publicar um livro com aforismos foi a austríaca Marie Von Ebner-Eschenbac, pertencente à nobreza do século 19 (e, por isso, com obras de cunho social censuradas pelo governo do Imperador Francisco José). Essa mulher, a primeira na história a receber um doutorado “honoris causa” da Universidade de Viena, em 1900, teve reconhecida sua capacidade em um ambiente homocêntrico e não perdeu a chance de dizer que “ter experimentado muitas coisas ainda não quer dizer que se tem experiência”.

Alguns, em nome da profusão de coisas sofregamente vividas, são reféns de muitas e exageradas certezas! Mais vale um pássaro na mão do que dois voando? Melhor ficar livre, leve e solto com o iluminado Mário Quintana que no seu Poeminha do contra ensinou: “Todos esses que aí estão / atravancando meu caminho, / eles passarão… / eu passarinho!””

Fonte:

Cortella, Mario Sergio

Não espere pelo epitáfio! ; provocações filosóficas / Mario Sérgio Cortella. 16. ed. – Petrópolis, RJ : VOzes, 2014.